quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Violar.

'' Quando percebi, estava olhando para as pessoas como se soubesse alguma coisa delas que nem elas mesmas sabiam. Ou então como se as transpassasse. Eram bichos brancos e sujos. Quando as transpassava, via o que tinha sido antes delas, e o que tinha sido antes delas era uma coisa sem cor nem forma, eu podia deixar meus olhos descansarem lá porque eles não se preocupavam em dar nome ou cor ou jeito a nenhuma coisa, era um branco liso e calmo. Mas esse branco liso e calmo me assustava e, quando tentava voltar atrás, começava a ver nas pessoas o que elas não sabiam de si mesmas, e isso era ainda mais terrível. O que elas não sabiam de si era tão assustador que me sentia como se tivesse violado uma sepultura fechada havia vários séculos. A maldição cairia sobre mim: ninguém me perdoaria jamais se soubesse que eu ousara. Ninguém me perdoaria se soubesse que eu sei o que elas são, o que elas eram. Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus. Não acredito nos seus, talvez também não acredite nos meus próprios. Não lhe peço que acredite em mim."

Caio Fernando Abreu

2 comentários:

Luiza de Oliveira disse...

Adoro Caio F :( Quando eu esttiver melhor comento alguma coisa decente.
<3

gabriela barbosa disse...

I ♥ Caio Fernando Abreu.


Você é linda e seu blog é ótimo !