domingo, 15 de abril de 2012

Diálogo interno.


Dia sépia em moldura polaroid, com gosto daquele café-da-manhã que não caiu bem. Hábito de olhar envolta ao caminhar por ladrilhos diferentes, passo a passo, como quem conta as pegadas. Uma realidade tão recheada por gente de carne que não consegue enxergar através da própria matéria, conhecidos ou não, não importa. Ultrapassar o que é inteiramente concreto não tem sido uma atividade muito comum. É necessário realmente calcular do sapato que será usado à quantidade de atrito exercida por ele.

Isto não está certo, está?

Respirar n'uma frequência completamente articulada, monitorar expressões, vetar gesticulações para ter como recompensa a (in)compreensão de quem conta alguma coisa. Identidade de papel e identidade humana: tão normal perder uma das duas e só dar falta depois de dias, semanas, meses.
A semelhança se encaixa na dificuldade em encontrá-las, cada uma por seu motivo, sendo o mais evidente deles o fato do espaço a se procurar ser incalculável. Tentamos enlouquecidamente tirar a 2ª via da essência natural mesmo sabendo que a probabilidade dela bater à nossa porta com modificações impostas é de 100%.

_ O que o significado de controvérsia te diz?
_ Vem do latim ''controversia'', paroxítona, presença de ditongo, 12 letras, 4 sílabas.
_ Só?
_ Guerra.
_ Só?
_ Só.
_ O que, na sua opinião, seria uma controvérsia pessoal?
_ Seria uma pessoa em conflito por algum motivo não superficial, cuja compreensão é um tanto quanto confusa, presumo.
_ Muito bem, por hoje nós encerramos. Amanhã volto no mesmo horário. Boa noite, até breve.
_ Céu e inferno.
_ O que?
_ Entre o céu e inferno, é onde alguém controverso vive, geralmente sem se manifestar.
_ Essa comparação faz algum sentido pra você?
_ De fato. Tenha uma boa noite você também, Inconsciente.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Aleatoriedades


''E era doce e suave e lembrava algodão tocando o rosto. E se eu colocasse a língua pra fora, certamente sentiria floquinhos de sorvete caindo dentro da boca - de todos os sabores: chocolate, abacaxi, baunilha e frutas vermelhas -, e então eu fecharia a boca e mastigaria bem rápido pra não perder tempo e abocanhar mais floquinhos de sorvete. E a música era calma e tinha uma voz de criança bem ao fundo cantarolando "tã nã nã la ra ra", bem baixinho que era pra não acordar os passarinhos dormindo na árvore de frente pra janela - os passarinhos e seus filhotes pequeninos, pequeninos. E então a gente acordava e ficava ali, parado debaixo da coberta, com os olhos bem fechados a boca se abrindo pra sussurar:

- De novo, de novo!''


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Conversa com Caroline.


Eu tenho tanta coisa aqui dentro pra falar e ao mesmo tempo pra enterrar. Não sei que parte perdi nesse tempo, mas o que entendi foi que Mário sempre me omitiu o sentimento dele durante este ano. Não, de maneira nenhuma, não tenho raiva...Tenho tristeza. Preferia que fosse raiva porque aí seria só extravasar que passava, mas tristeza Caroline? Tristeza a gente não enterra assim. Levaria uma amizade com ele tranquilamente se tudo não tivesse sido feito tão intensamente de uma vez, se não tivesse feito doer como fez. Uma bomba atrás de outra, eu tive que segurar todas e deixar explodir bem no meio da minha cara. Acabou comigo Caroline, rapidez demais e eu não funciono assim. Não sei absorver as coisas dessa maneira quando eu tô envolvida de verdade entende? Eu não sou de mentira, eu não sei fingir direito, eu não sei apertar meu ''esc'' do nada e não vou mudar isso por causa de gente como Mário. Não tenho nem palavras pro que Gabriel tem sido pra mim, sempre esteve ali do meu lado depois do que aconteceu, você sabe que contei que estava triste e não escondi o motivo. Até ele me fazer esquecer. Gabriel tem me ganhado nos detalhes e eu tenho me envolvido, até porque depois dessa ''gota'' é o que eu tenho me permitido, é o que acho que mereço. Eu não sou casal de 2012, eu sei como funciona sentimento e eu sei que comigo é aos poucos que as coisas acontecem, sei que quando uma pessoa me tem, me tem mesmo. A paz que ele tem trazido é uma coisa bonita, nunca escondi o fato de gostar dele, porém acho que as coisas tem ficado um pouco mais sólidas. ''Eu gosto dos que têm fome, dos que morrem de vontade, dos que secam de desejo, dos que ardem." Eu gosto de verdades Caroline, gosto de intensidade, gosto de tocar no fundo e ser tocada também. Eu não abro meu coração pra qualquer um, eu não tenho um milhão de pessoas e nem me importo de nunca ter tido. Nunca gostei de meio termo pelo fato de não ser boa em de tomar decisão atrás de decisão, a coisa é clara ou escura, não existe meia-luz. Ele é definitivamente uma pessoa que não vai ter dificuldade pra arrancar o que quiser de mim, já que não tem empecilho nenhum e que me lembrei do conselho barato que recebi, algo sobre ''merecer toda a felicidade do mundo''. Fico contente por Gabriel concordar em gênero e número, e fico mais ainda por ainda estar aqui depois de tudo que eu havia bloqueado. Por continuar me olhando do mesmo jeito e por continuar deixando a íris tão transparente pra que eu seja capaz de enxergá-lo através.
Banhar-se com água do fundo do poço pra que Caroline? Deixa ele me contagiar mais, deixa me sugar por dentro, eu tô tão aberta pra que seja feito o que quiser com o que tem aqui dentro. Só quero expressões sinceras, que sejam claros comigo como fui. A única coisa que sempre pedi foi verdade e isso é muito singular. Também não quero que mude. Já é tarde, tenho que desligar. Boa noite pra você também, amanhã nos falamos mais. Ok, também amo você magricela.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Verdades cospidas.


Li uma carta que Caio Fernando escreveu, e me lembrei de um amigo que fala exatamente da mesma forma, me deu ainda mais saudades de você Patrick.

''Tua carta me preocupou. Estás triste e não me venhas com essa de separação do Ernesto. Numa boa que eu não acredito. Prepare- se: vou falar Coisas Duras. Na minha sincera, desinteressada e afetuosa opinião de quem quer te ver feliz: tua relação com o Ernesto não existe da maneira como você pensa. Eu me atrevo a achar. Desguia, entra noutra, arruma um namorado novo, gatinho sem
problemas, que dê cama & carinho. E simples e gostoso. Por que não? Não se puna. Não finja que-os-problemas-foram-superados-e-tudo-está-num-ótimo-astral. Chama uma Ro-Ro, vira a mesa de vez e parte pra outra. Você, como qualquer ser humano, precisa de amor — e como ser humano legal e especialíssimo, merece amor de uma pessoa bonita. Não de uma pessoa TRANCADA como é o Ernesto
(o que não me impede de gostar muito dele). Você tem que ser mais Escorpião e cortar fora a parte ferida. Chega de meias-solas e paliativos. Na minha opinião, você precisa de UMA BOA CAMA (ou várias) [...]. Toma um porre, fuma um baseado, mas por favor — desguia. Daqui faço força e peço desculpa pelo atrevimento do toque.
Sexta recebi uma carta inenarrável do M. Me deu até impulso de responder apenas com estas palavras: ME POUPE. [...] Saudável perceber que superei total — mais até: que não tenho o mínimo respeito intelectual por ele. Mas tristinho parar e pensar: ah, então foi pra ele que eu dei meu coração e tanto sofri? Amor é falta de QI, tenho cada vez mais certeza.
Fui ver Memórias do cárcere e La nave va, adorei. Sinto falta de abraço e beijo na boca e mão na mão de namorado. Choro às vezes e durmo pesado. São Paulo é droga pesada. Sergião, o Bianchi, tristíssimo com a morte de um amigo-irmão, de AIDS, em New York. Nuvens negras. Insistimos. Sobrevivemos.
A casa tá limpinha, o incenso queima, a roseira tá — medo — sem nenhuma rosa no momento, quarta vou jantar com Maria Adelaide Amaral e quinta ver Bailei na curva (o Julio Conte ligou hoje). Fica feliz. Vou fazer feitiço branco procê arrumar namorado lindo. [...] Você é maravilhoso demais, menino. Se convence, tchê. Me queira bem sempre. Sinto saudades fortes. Faz pensamento bom pra minha cabeça e meu corpo resistirem impávidos & legais, preu achar um moço que diga que sou bonito e não vive sem mim. Te beijo. Te cuida bem. Axé, vários axés. Carinho sempre do teu Caio."


Te amo!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Mormaço.


Pior do que se sentir perdida é perder-se em si mesmo. No emaranhado do que você acredita misturado ao que você é, ou era. O que você acredita, apostando corrida com o que mais detesta. O que você tem, jogando palitinhos com o que quer. Seu amor e suas dores na linha de chegada e o coração de juiz em dia de clássico. Eu não sei se você entende o raciocínio de quem não tem raciocinado ultimamente ou se entende o porquê de certas coisas que não se explicam. Quando a cabeça não pensa o corpo padece, mas quando a cabeça pensa demais será que nossa alma enriquece?
Cheia de indagações e de táticas que não fazem o menor sentido (pelo menos naquele momento), suas certezas mudam, suas prioridades deixam de ser prioridades, já que nem sabe mais o que deseja. Até sabe, mas está tão longe e você tão cansada que o mais fácil é deixar que as prioridades te encontrem e fugir do que não interessa ( e/ou interessa). Seus princípios enfraquecidos te cobram uma atitude e você cobra a coragem.
Seus olhos pesam e seu coração já bate fraco. De tanto que bateu a vida inteira. De tanto chorar amor e fracassos, de tanto chorar pelo leite derramado. Aí decide que se entender é complicado demais. O quente queima e o frio é gelado demais, vai o morno mesmo que não causa sensação alguma e no momento você não tem sequer condições de sentir algo. Sentir dá trabalho e trabalho acarreta uma série de responsabilidades. Responsabilidade é chato demais e não aquece seus pés nos dias frios.
Enfim, opta por decidir somente pelo necessário. Pelo que realmente vai fazer alguma diferença em sua vida e desiste de tentar equilibrar-se, isso é para artista circense e você nem gosta tanto de circo. Melhor deixar assim. Uma porta de saída e uma de entrada. O que vale fica e o que não vale que valesse. Nada de culpa ou de noites mal dormidas, nada de coração na boca em de frio na barriga. Certas coisas não se explicam. Não existem palavras que as descrevam ou soluções que as resolva . Sentimentos, gestos, sonhos e sorrisos. A alma entende e a boca cala.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dezembro.

'' Eu acredito na humanidade e busco nela uma resposta. O tempo é curto e tão mal utilizado; a vida passa e estamos eternamente atrás do futuro. Queremos certezas aos montes, buscamos explicações para tudo, quando o que realmente importa é a surpresa do próximo segundo. A demora de um sorriso explica o que a ciência jamais poderá decifrar. Ei, não tenta entender as voltas que eu dou sozinha. Deixa só um mistério estranho de filme trash. Ninguém quer descobrir o que há por trás da mulher diferente, mas ela ainda é a mulher diferente que deve ser descoberta.

Passo horas falando pra ficar muda de repente, passo toda a segurança do mundo pra me derrubar em medos bobos. É que tudo fica mais legal em constante mudança. E eu nem sei mais ser a mesma sempre, sou volúvel. Grande surpresa. Mas ser volúvel também cansa. . Não quero mais a realidade comum. Isso é o que mais cansa, pra ser bem sincera. Tenho até arrepios de pensar num futuro escrito e óbvio nas prateleiras de gente sem sal. Só de saber o que vai ser de mim, já quero ser outra coisa. Uma coisa nova e diferente, pra quebrar o que é certo.

Estou tirando férias de mim. Férias das dúvidas que me derrubam, das ilusões que me levantam, porque tudo isso é muito temporário. E viver assim de pouquinho, sem nenhuma fixação, às vezes cansa. Esperar cada novo dia, cada novo olhar pra saber se posso ser feliz, não me faz feliz de verdade. Um sorriso e o balanço do dia é positivo, posso dormir à noite. Um cumprimento não correspondido e acho que tudo está errado. Mas se eu fico tão bem quando não dependo de opiniões, ações, gestos, por que insito em deitar nos braços do mundo e me deixar abater? Por que não me curtir um pouco - me sentir mais leve, mais bonita, mais interessante, já que o fantasma da obrigação de agradar não está me seguindo? Essa é uma daquelas fases de sorrir e não querer saber o motivo, de férias mesmo. De tudo que eu me cobro todos os outros dias do ano, depois me cobro por não ter tempo de cumprir.

Eu cansei de não me satisfazer comigo, não me guardar pra mim. De estar sempre escorrendo, vazando pelas beiradas. De precisar de opinião alheia por ser tudo ao mesmo tempo e esperar reconhecimento por isso. É tanta coisa aqui dentro, tanta coisa que eu tento melhorar e aprender todos os dias. Mas ei, qual o problema? Nem todo mundo acha que ler e escrever (além do sentido banal de ler e escrever), é interessante. Nem todo mundo precisa saber que uma clave de sol não é um S, nem um G, e deduzir que eu gosto de música só de olhar pra mim. Não adianta chegar numa festa cheia de barulho e gente e querer conversar, achando que antes do cara sugar um pouquinho da minha alma, deve saber que eu não sou umas dessas mulheres vazias, sem uma alma para ser sugada. Tem mais que vento dentro de mim, mas isso é meu. Não faz diferença eu agir como uma pessoa superficial e querer explicar pra todo mundo que eu não sou.

E hoje vou fazer isso. Não vou ceder, não vou me preocupar. Vou entrar em férias de mim, balancear os pneus, checar o óleo. Pra depois quem sabe...''

sábado, 23 de julho de 2011


'' Para mim, atualmente, companheirismo e lealdade são meio sinônimos de felicidade. Meus amigos são muito fortes e muito profundos, são amigos de fé, para quem eu posso telefonar às cinco da manhã e dizer: olha, estou querendo me matar, o que eu faço? Eles me dão liberdade para isso, não tenho relações rápidas, quer dizer, tenho porque todo mundo tem, mas procuro sempre aprofundar. E isso é felicidade, você poder contar com os outros, se sentir cuidado, protegido. Dei esse exemplo meio barra pesada de me matar?.esquece, posso ligar para ver o nascer do sol no Ibirapuera às cinco da manhã. Já fiz isso, inclusive.''


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Além.


_ São só páginas onde a sensibilidade transborda, épocas em que lhe falta o ar, ponteiros que mal se movem. Um terço de dúvida, um terço de dor, um terço de coração, numa fração de demasiada tortura momentânea.

(Com os cabelos jogados aos ombros quase nus, cabeça recostada no abraço que lhe trazia segurança, e o pensamento que balbulciava "...Felizmente existem outros ladrilhos, não se permanece inteiramente só".)

_ Por que "momentânea"?
_ Porque não acontece frequentemente, geralmente só quando são inúmeros pontos misturados. Sabe, vezenquando depositamos expectativas nas mãos de pessoas que não sentem como deveriam, não prestam atenção...Você consegue me entender?
_ Na verdade não é questão de não sentir, e sim de não decifrar com as pontas do tato.
_ É...
_ Posso continuar te mantendo aquecida?
_ Por favor...


terça-feira, 5 de julho de 2011

"Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua historia
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz..."

Almir Sater -Tocando em frente

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Os dragões não conhecem o paraíso




" Tenho um dragão que mora comigo.

Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser. Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim: Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

Isso me pareceu gradiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos. E tomei nota rapidamente no guardanapo do bar onde estava. Escrevi também mais alguma coisa que ficou manchada pelo café. Até hoje não consigo decifrá-la. Ou tenho medo da minha - felizmente indecifrável - lucidez daquele dia.

Estou me confundindo, estou me dispersando.

O guardanapo, a frase, a mancha, o medo - isso deve vir mais tarde. Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo. Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se não fosse nada.

Ninguém perguntará coisa alguma, penso. Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões. Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para se transformar numa grande chaga.

Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. Algumas anotações em volta, tomadas há muito tempo, o guardanapo de papel do bar, com aquelas palavras sábias que não parecem minhas e aquelas outras, manchadas, que não consigo ou não quero ou finjo não poder decifrar.

Ainda não comecei.

Queria tanto saber dizer Era uma vez. Ainda não consigo.

Mas preciso começar de alguma forma. E esta, enfim, sem começar propriamente, assim confuso, disperso, monocórdio, me parece um jeito tão bom ou mau quanto qualquer outro de começar uma história. Principalmente se for uma história de dragões.

Ninguém é capaz de compreender um dragão. Eles jamais revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três ou às onze da noite, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se tivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja essa a sua maneira desajeitada de dizer, como costumo dizer agora, ao despertar - que seja doce.

Além de tudo: eu não o via. Os dragões são invisíveis, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento, tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Certo, muito lógico você querer saber como, afinal, eu tinha tanta certeza da existência dele, se afirmo que não o via. Caso você dissesse isso, ele riria. Se, como os homens e as hienas, os dragões tivessem o dom ambíguo do riso. Você o acharia talvez irônico, mas ele estaria impassível quanto perguntasse assim: mas então você só acredita naquilo que vê? Se você dissesse sim, ele falaria em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros. Talvez em fadas também, orixás quem sabe? Ou átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E diria, com aquele ar levemente pedante: "Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível".

Ele gostava tanto dessas palavras que começam com in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias.

Ele cheirava a hortelã e alecrim. Eu acreditava na sua existência por esse cheiro verde de ervas esmagadas dentro das duas palmas das mãos. Havia outros sinais, outros augúrios. Mas quero me deter um pouco nestes, nos cheiros, antes de continuar. Não acredite se alguém, mesmo alguém que não tenha um mundo pequeno, disser que os dragões cheiram a cavalos depois de uma corrida, ou a cachorros das ruas depois da chuva. A quartos fechados, mofo, frutas podres, peixe morto e maresia - nunca foi esse o cheiro dos dragões.

A hortelã e alecrim, eles cheiram. Quando chegava, o apartamento inteiro ficava impregnado desse perfume. Até os vizinhos, aqueles do andar de baixo, perguntavam se eu andava usando incenso ou defumação. Bem, a mulher perguntava. Ela tinha uns olhos azuis inocentes. O marido não dizia nada, sequer me cumprimentava. Acho que pensava que era uma dessas ervas de índio que as pessoas costumam fumar quando moram em apartamentos, ouvindo música muito alto. A mulher dizia que o bebê dormia melhor quando esse cheiro começava a descer pelas escadas, mais forte de tardezinha, e que o bebê sorria, parecendo sonhar. Sem dizer nada, eu sabia que o bebê sonhava com dragões, unicórnios ou salamandras, esse era um jeito do seu mundo ir-se tornando aos poucos mais largo. Mas os bebês costumam esquecer dessas coisas quanto deixam de ser bebês, embora possuam a estranha facilidade de ver dragões - coisa que só os mundos muito largos conseguem.

Eu aprendi o jeito de perceber quando o dragão estava a meu lado. Certa vez, descemos juntos pelo elevador com aquela mulher de olhos-azuis-inocentes e seu bebê, que também tinha olhos-azuis-inocentes. O bebê olhou o tempo todo para onde estava o dragão. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar a meu lado ficou leve, de uma coloração vagamente púrpura. Sinal que ele estava feliz. Ele, o dragão, e também o bebê, e eu, e a mulher, e a japonesa que subiu no sexto andar, e um rapaz de barba no terceiro. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde que lembro de abril - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões, mas só às vezes, sabem transmitir.

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor. Se não o tempo todo, pelo menos quanto lembro de momentos assim. Infelizmente, raros. A aspereza e avesso parecem ser mais constantes na natureza dos dragões do que a leveza e o direito. Mas queria falar de antes do cheiro. Havia outros sinais, já disse. Vagos, todos eles. Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. E forçava os olhos pelos cantos de prata esverdeadas, luz fugidia, a ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou fumaça de suas narinas, sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir. Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar. Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dias após dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos. Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.

(...)

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, era nada.

Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar?

Não, não é assim. Isso não é verdade.

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.


(...)

As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam.

(...)

Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo? Anotações soltas sobre a mesa, cinzeiros cheios, copos vazios e este guardanapo de papel onde anotei frases aparentemente sábias sobre o amor e Deus, com uma frase que tenho medo de decifrar e talvez, afinal, diga apenas qualquer coisa simples feito: nada disso existe.

Nada, nada disso existe.

Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia em mim. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.

Não, isso também não é verdade. "



Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Encerrando ciclos.



'' Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.

Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração - e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.

Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.


Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.

Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do “momento ideal”. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará.

Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.''

quinta-feira, 26 de maio de 2011


" Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Coca, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando. Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.''




Acordou ás 8 com a cabeça pesada, latejando incessantemente, teve a impressão de que sairia arrastando-a pela casa a qualquer momento. Um pé na frente do outro, um café forte, uma brisa nova, e uma vontade irremediável de receber uma ligação, ou uma visita inesperada. E recebeu.
_ Alô...
_ Oi linda!
_ Oi, bom dia...
_ Desculpa te acordei? Você está com uma voz sonolenta! Se quiser ligo depois!
_ Hm...Pensei em você ontem e hoje, aleatoriamente...E não, não estava dormindo, é que...
_ Sério? Que gracinha! Queria te pedir um favor!


(...)

Não sabia o que havia sido pior, alguém tão importante não ter feito uma pergunta tão comum, ou o fato de não ter associado a "voz sonolenta" ao que ela realmente significava. Porra, era um simples "Você está bem?"

O tempo de fingir se tornara cada vez mais insólito, já não conseguia conter seus nós com tanta frequência, estava perdendo o controle que vinha mantendo com dificuldade e sabia que deveria retomá-lo o quanto antes.
Dobrou os cobertores (aqueles que....)
-Engole a dor-
Arrependendo-se profundamente por ter se permitido sentir tudo aquilo que um dia foi bom.

_Ei, você não deve arrepender-se, tudo na vida tem um propósito.

Não queria descobrir propósito nenhum, não queria compreensão, conselhos, nada. Era só chorar no colo de alguém, até adormecer e hibernar até parar de doer naquela dimensão. Ainda que parecesse, não era carência, era fraqueza: Estavam levando sua fonte embora, e não havia nada que seus braços poderiam fazer.

Antes não tivesse dormido.



Antes não tivesse acordado.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Caio, caímos.

"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.




Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse.
Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.




Chorei três horas, depois dormi dois dias. Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais quase nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E quase não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total."



C.F.A.




terça-feira, 24 de maio de 2011

Enought.



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Passo.


"Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada.
E
agora?
Três, quatro anos depois
Cadê a grande mutação?
Pintaram as rebordosas. Continuaram pintando. Nós continuávamos resistindo mas às vezes penso que viver não deve ser apenas isso, segurar a barra. Continuamos carregando nossas pequenas maldições – mais orgasmos, insônia, pesadelos, excessos de álcool e cigarros, procura cega, iluminações ilusórias e passageiras, etc. O mundo continua apodrecendo, os amigos vão para a Europa, para a clínica ou para a prisão, viciaram-se nas drogas mais diversas. Em nome de que resistimos? De onde tiramos essa energia, que é meio talvez uma falta de energia por não termos conseguido radicalizar e mudar alguém ou a nós próprios, ou enlouquecer e fugir pro mato. Normalmente resistimos enquanto o coração resseca, os olhos endurecem, as deliberações se frustram. Desmascaramos a farsa para continuarmos a existir no meio dela. De que nos tem servido essa lucidez senão para chamar barra cada vez mais pesada?
Batalhamos a paz, a divina diferença. Pra termos sede de amor e de beleza.
(estou sem dinheiro no verão, baixa o astral de qualquer um)
Com ou sem nova convivência, somos profundamente infelizes.
Nosso saldo é o desencanto
Tem muitas coisas que a gente vai deixando, vai deixando, vai deixando de ser e nem percebe. Quando viu, babau, já não é mais. Mocidade é isso aí, sabia?



(Dispersos - Caio 3D O Essencial da Década de 1980)